segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A ALIMENTAÇÃO GLOBALIZADA

Por: Gustavo Duch Guillot (*)

Diário de Navarra
Tradução: Renzo Bassanetti
Agora que muitas formas de introspecção e meditação
pessoal estão no auge – são sâs para o corpo e para a alma -,
deixem-me propor-lhes uma nova modalidade: Procurem um ambiente
tranqüilo, e se quiserem ponham uma música relaxante e comecem a
respirar lentamente, sentindo como o ar entra e sai de seu corpo.

Contarei a história de um pequeno produtor de frangos, mas
que também poderia ser a de um pequeno agricultor de hortaliças, de
um criador de vacas da Galícia, na Espanha ou um de uma plantadora
de arroz sul-coreana. Não importa o local nem sua especialização,
somente um fator comum: ser pequenos ou pequenas produtoras de
alimentos. Bem, inspirem e expirem, fechem os olhos e imaginem que
vocês são a mesma pessoa dessa história, e vamos interiorizando
alguns sentimentos, deixando que eles penetrem no coração.
“Cada vez me custava mais suportar os custos de produção com os
baixos preços que eram pagos pelos meus frangos. Com crise ou sem
crise, o preço da ração para alimenta-los continuava subindo e
também aumentavam os honorários dos veterinários. Lembro que os
açougues aos quais vendia minha produção me diziam que não podiam
pagar mais pelos frangos, e que estavam por fechar as portas, pois no
hipermercado próximo, os preços das aves estavam lá em baixo..
Decidi passar à produção ecológica e assim poder vender a preço
melhor, sem a competição das grandes empresas onde as aves eram
criadas em escala industrial, que como contam com a maior subvenção
das administrações públicas, podem se permitir manter preços de
venda bastante inferiores aos meus. A regra elementar para que os
frangos sejam ecológicos é logicamente que comam rações também
ecológicas. Como há muito poucas empresas que distribuem ração
ecológica e esta é cara demais, pensei em eu mesmo produzir alguma
coisa de grãos para completar a alimentação dos frangos, que
estariam em semi-liberdade, ciscando. Tive que pagar quase uma
fortuna comprando dois hectares próximos à minha propriedade.
Argumentaram que o solo era muita qualidade, por isso o vendiam tão
caro. Bom, um investimento para o futuro, pensei. Plantei milho e tive
duas boas colheitas. Os frangos engordaram em três ou quatro meses e
os açougues voltaram a levar fé em mim e em meus frangos caipiras.
Contudo, me faltava uma certificação burocrática para poder
rotulá-los como ecológicos. Chegaram alguns técnicos e
inspecionaram tudo: a água, as instalações, e quase um a um dos
frangos. Resultado: despacho negando-me a certificação de produto
ecológico, pois o milho apresentava traços de transgenia,
contaminado por lavouras próximas que usavam sementes transgênicas.
E que eu abrisse o olho, pois se as denunciasse, teria que pagar a
empresa produtora de sementes por ter usado seu material
genético.... Minha reconversão durou pouco, por que minha
propriedade me reservava outras surpresas: ela foi desapropriada para
a construção de uma auto-estrada”.
Como vemos, é uma história onde o camponês não pode viver com
seu trabalho, nem tendo vontade de mudar para um modelo sustentável,
necessário urgentemente para o planeta. Tudo está orquestrado para
sua extinção, nos hemisférios Norte e Sul. Tornou-se impossível
sobreviver da agricultura familiar? Certamente não pelas secas,
doenças ou pragas. Consideravelmente mais nefastas e difíceis de
vencer, as pragas que as pequenas propriedades familiares enfrentam
são as neoliberais: o desaparecimento dos mecanismos de regulação
de preços, a falta de serviços técnicos públicos, as políticas
orientadas a apoiar os modelos de agricultura industrial e
corporativa, a concentração da distribuição alimentar em mãos de
quatro ou cinco grandes áreas, a entrada de alimentos subvencionados
que competem deslealmente com a produção local, a não
interiorização dos custos ecológicos de alguns modos de produzir
“alimentos”, a fé cega na tecnologia que leva a uma maior
dependência e assim, uma coisa após outra.
Talvez vocês já tenham experimentado sensações parecidas às de
ser alguém de outro mundo, ou de não contar com ninguém, mas de
depender de tudo externamente, uma dependência que os limita, os
agride, os bloqueia, os asfixia (respire, absorva mais ar, relaxe..),
que os arruíne, que os...
Fim da meditação. Se lhes causou mal estar, desculpem, pois não
era essa a intenção. Esses são alguns dos efeitos da
globalização alimentar. Há outros, mas para esses este exercício
não faz falta, e qualquer consumidor os conhece bem: alimentos
repetidos, insípidos e artificiais. Bom proveito.

(*) Ex-diretor de Veterinários sem Fronteiras e colaborador da
Universidade Rural Paulo Freire.
" A verdadeira viagem de descobrimento consiste em não procurar
novas paisagens, mas em ter novos olhos" Marcel Proust

Texto enviado por e-mail pela lista de discussão GEAI (Grupo de Educação Ambiental da Internet).

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